Minha cama é desconfortável, realmente desconfortável, deve
ser porque tenho esse colchão há cerca de 10 anos. As coisas não são feitas
para durar tanto, nada nesse mundo é feito para durar. Assim como as pessoas, assim como os
relacionamentos.
Através da porta fechada eu posso ouvir as vozes alteradas
lá fora, mesmo que estejam do outro lado do corredor, posso escutar até mesmo
aquilo que não é dito, mas é expresso: amargura, raiva, tristeza e
principalmente cansaço. Cansaço de todos nós.
Eu os conheço apenas de vista, como qualquer vizinho
indiferente, mas sei a história, talvez não sua versão, mas no fim elas são
todas parecidas.
Eu poderia dizer que é complicado, mas estaria sendo
hipócrita. Não há nada de complicado nisso. É apenas mais uma família desgastada
tentando se consertar, mesmo que já saibam que algumas coisas não tem conserto.
No final somos apenas pessoas com nossos gritos presos na
garganta, nossas frustrações colidindo umas com as outras, e circunstâncias nos
moldando, um amontoado infinito de circunstâncias. Eu poderia dizer que é
lamentável, mas na verdade não é. É apenas a realidade como ela é, e ela não é
bonita.
A verdade é que somos todos um bando de egoístas correndo desajeitadamente
atrás de algo chamado felicidade, sem saber em que direção correr e sem saber o
que fazer quando chegar lá. E eu poderia dizer que isso sim é lamentável, mas
seria o mesmo que dizer que os humanos são lamentáveis, porque não podemos nos
impedir que fazer isso uma e outra e outra vez. Ninguém nos explicou nada sobre
esse jogo, não sabemos qual é o verdadeiro objetivo, então tudo o que podemos
fazer é especular. E tentar. Tentar muito.
E quanto a mim... Eu não faço a mínima ideia do que estou
fazendo. Como a maioria.
Sinceramente não me sinto tentar, diria que estou mais para
seguir o curso e ver aonde ele vai me levar. E é claro que tenho que fazer
escolhas todos os dias, então é impossível dizer que estou deixando nas mãos do
destino, mas na maior parte das vezes estou escolhendo aquilo que não exigi
muito de mim. Aquilo que não pode me machucar.
E inevitavelmente estarei vivendo a vida mais sem graça que
poderia desejar.
Mas o seguro é exatamente isso. O seguro não é emocionante,
nem belo ou desejável, porque esses adjetivos não combinam com o que é certo. A
beleza não está no meu quarto silencioso com todas as minhas preciosidades que
me mantem sã e acima de tudo me mantem distraída. Distraída de desejar algo
mais, distraída de me perguntar o que raios eu estou fazendo aqui. Distraída de
querer experimentar o que o imprevisível tem a oferecer.
Não. A beleza está lá fora, está no selvagem desconhecido,
está nas sensações indomáveis e nas almas dos artistas.
Às vezes eu me pergunto se eu carrego esse buraco no peito
justamente porque vejo o mundo com os olhos de um escritor, sempre esperando
mais do que a vida pode oferecer, e tento suprimir toda essa vontade dentro de
mim antes que ela me devore. Mas então eu penso o quão arrogante é esse
pensamento, como se eu realmente fosse capaz de ser sensível ao mundo ao meu
redor. Eu me formei em pedra há muito tempo atrás.
E é então que me pergunto se na verdade todos nós carregamos
esse buraco no peito, não importando quem somos ou o que queremos e que apenas
tentamos nos distrair com milhares de outras coisas o tempo todo para esquecer
que estamos sempre insatisfeitos.
Sempre está faltando alguma coisa. Sempre parece haver algo
mais nos esperando lá fora.
Houve uma época em que eu acreditava que éramos antigos
deuses caídos, com todas as nossas memórias perdidas e quebradas espalhadas no
silêncio. E que éramos sempre insatisfeitos porque sabíamos, bem lá no fundo sentíamos
que éramos maiores do que isso. Que havia algo errado e quebrado dentro de nós.
Algo que ninguém sabia consertar, mas que ainda sim tínhamos que tentar, porque
esse era o único jeito. E nessa época eu acreditava que a felicidade que tanto
procurávamos era na verdade essa centelha de infinito, o poder que nos foi
roubado em outra era.
Mas isso não passa de um sonho de uma criança que um dia eu
fui.
Ainda mantenho comigo seu fantasma, mas agora tento não
levar muito a sério o que ela diz, porque sonhos de crianças são coisas
perigosas, coisas que se deve ter cuidado ao escutar, coisas que se deve ter
cuidado ao mexer.
Agora no meu quarto escuro, sobre esse colchão
desconfortável, eu me pergunto o quanto aquela criança me dominou e o quanto eu
a dominei. Acho que estamos batalhando até hoje, talvez seja por isso que eu
insisto em escrever. Deve ser porque ela está desesperada para sair de seu
confinamento, desesperada para fazer o mundo do seu jeito, mesmo que ela não
tenha poder algum.
As vozes lá fora já pararam, acho que finalmente se renderam ao cansaço por hoje.
Amanhã temos um longo dia pela frente, teremos que levantar
e fingir que estamos bem. Teremos que ser adultos responsáveis. E adultos não
deixam suas lágrimas caírem em público. Adultos não deixam seus pensamentos
escaparem. Adultos não tem tempo para lidar com histórias antigas ou novas.
Estamos todos muito ocupados em não deixar esse frágil controle se partir.
Então por hoje vou parar por aqui e tentar enterrar tudo
isso dentro de mim antes que o sol nasça e alguém consiga ver por entre as
minhas rachaduras.
*nota: essa música é simplesmente viciante.