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18 novembro 2015

3 & 2





Ela olha atentamente a pequena tela de vidro e solta uma risada. 

Normalmente eu não o sou o tipo de pessoa que reclama da tecnologia e fica escrevendo coisas por ai sobre como a internet finca suas garras sorrateiramente e devora sua consciência antes mesmo que perceba. Na verdade estou mais para o lado daqueles que apreciam o conforto de não ter que interagir pessoalmente com os outros, principalmente quando tudo o que você quer é desaparecer. Mas no caso dela, eu realmente me irrito. 
 Eu não consigo entender como ela pode simplesmente achar graça de tudo, até das coisas mais inúteis e ficar rindo sem parar numa sala onde ninguém mais sabe qual é a piada. É simplesmente irritante. E tudo o que penso quando o cansaço se agarra sobre mim como um maldito vírus é que eu poderia esganá-la quando ela ri tão despreocupadamente sobre alguma bobagem que encontrou em qualquer rede social que ela esteja.

É muito irritante. Na verdade ela é muito irritante. Absurdamente irritante. É como aqueles concentrados que se vendem em supermercados, só que um que pode torna-lo um homicida. 

Ela também é teimosa como uma mula e completamente irredutível quando toma uma decisão sobre alguém. Ela também pode ser vingativa, tem a péssima mania de dramatizar tudo e reclamar infinitamente sobre atenção. Porque pra ela atenção tem que ser 24 horas, ou pelo menos em uma base regular com uma pausa a cada 3 horas caso você seja humano e precise de, você sabe, fazer outras coisas para viver como comer e beber água.

Ela é desnecessariamente chorona, não sabe fazer linhas retas e toma café puro. Nunca faz o que pedem na hora, mesmo que não esteja fazendo nada. Suas coisas são sempre uma bagunça e ninguém nunca sabe como foram parar assim. Ela não gosta de brincadeiras. Eu sou sarcasmo não destilado. Eu quero que todos se calem. Ela nunca se cala. Ela adora fotografia. Eu odeio tirar foto. Eu quero ler. Ela quer tocar. Eu digo agora. Ela diz depois. Eu sou 3 e ela 2.
Eu poderia esgana-la.

Porém.

Porém nós temos um código de quem apaga a luz e quem se arruma primeiro. Eu sei quais são os seus jogos favoritos e ela sabe a ordem dos meus livros. Eu sei todos os seus medos e ela conhece todos os meus segredos.

Ela gosta de escrever notas escondidas para que somente eu leia. Ela tem todas as minhas palavras gravadas e decifradas. Sabe aquilo que não digo e diz aquilo que preciso. Chora quando eu não consigo e entende as referências.

Ela é generosa, inteligente mesmo que preguiçosa. Preocupada e atenciosa. Ela entende a diferença subliminar e consegue ser engraçada em seu jeito de atrapalhada.

É. Talvez eu não vá esgana-la no fim das contas.
Não é culpa minha, é que há leis mais antigas. Regras que não posso mudar... Algo sobre os opostos terem sido feitos para se completar.

08 novembro 2015

No olho da Tempestade



Essa noite estou me sentindo inquieta como se houvesse algo pronto para transbordar de dentro de mim. E eu não sei ao certo como expressar esse amontoado confuso que me faz desejar algo que não sei nomear.

Talvez seja porque tenho passado por muitas coisas ultimamente, talvez seja porque ultimamente tenho estado tensa, cansada, confusa e com medo de tudo. Mas quem é que não passa por isso?

É somente por eu ser quem eu sou que sinto que devo fazer algo com tudo isso. Não consigo me impedir de me afundar nesse mar revolto e buscar palavras que possam me trazer alguma salvação. Não consigo me impedir de saborear todas essas sensações, numa tentativa tola de entender tudo isso e encontrar uma solução mágica pra toda essa merda do dia a dia.

E como eu sou eu, está mais que na hora de me deixar afogar.

Lentamente. Bem lentamente.

Todas essas sensações vão enchendo meus pulmões, ele vai doer um pouco a principio, mas então minhas mãos vão parar de se debater e meu corpo vai se sentir pesado e tudo o que poderei sentir é que poderia dormir um pouco. Então meus olhos vão se fechando e tudo o que me aguarda por detrás das minhas pálpebras é uma escuridão acolhedora.

Um. Dois. Três.

Finalmente estarei submersa dentro de mim mesma.

Agora já não me preocupo com mais nada. Nessa escuridão a única preocupação é a próxima palavra. Assim que pronunciada ela tomará vida e tudo o que tenho que fazer é me deleitar com a história que será criada. É como ler um livro numa aconchegante poltrona num dia de chuva, como ver um bom filme antigo que você conhece todas as falas, como ir ao teatro ver uma peça de um autor que você adora.

Nesse abismo tudo o que basta é se deixar inundar por tudo aquilo que rodopia num caos em seu peito e então uma palavra tomará o palco no olho da tempestade.

Uma história nascente é tão bela quanto o nascer do sol. Eu sempre me sinto ansiosa e então eu vejo o brilho de uma heroína se levantando. Vejo como ela parece perdida, desarmada e sem nenhum poder ela aparenta ser frágil, mas suas mãos não tremem. E apesar do medo que resplandece em seus olhos ela ainda mantem a cabeça erguida para enfrentar a tempestade ao seu redor.

A tempestade se torna mais furiosa como que lançando um desafio e começo a pensar em tudo aquilo que me aflige, todas as minhas preocupações, todas as minhas chateações e medos que me perturbam o sono. Formas indefinidas se agitam dentro do caos até que de repente todo o vento cessa, um último sopro lança uma poeira clara sobre meus pés e a minha frente tudo está formado. Um novo mundo, com todas as suas personagens e vilões e a heroína à minha frente pronta para iniciar sua jornada.

E eu sei que assim que ela der o seu primeiro passo a história irá começar e todos os sentimentos inquietos no meu peito serão desdobrados, retorcidos e invertidos. E talvez dessa forma, a única que conheço, possa entender tudo isso.

E talvez... Apenas um talvez, eu possa encontrar as respostas que preciso para as perguntas que gritam sem parar em minha mente.