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12 outubro 2015

Black Water


Minha cama é desconfortável, realmente desconfortável, deve ser porque tenho esse colchão há cerca de 10 anos. As coisas não são feitas para durar tanto, nada nesse mundo é feito para durar.  Assim como as pessoas, assim como os relacionamentos.
Através da porta fechada eu posso ouvir as vozes alteradas lá fora, mesmo que estejam do outro lado do corredor, posso escutar até mesmo aquilo que não é dito, mas é expresso: amargura, raiva, tristeza e principalmente cansaço. Cansaço de todos nós.
Eu os conheço apenas de vista, como qualquer vizinho indiferente, mas sei a história, talvez não sua versão, mas no fim elas são todas parecidas.
Eu poderia dizer que é complicado, mas estaria sendo hipócrita. Não há nada de complicado nisso. É apenas mais uma família desgastada tentando se consertar, mesmo que já saibam que algumas coisas não tem conserto.
No final somos apenas pessoas com nossos gritos presos na garganta, nossas frustrações colidindo umas com as outras, e circunstâncias nos moldando, um amontoado infinito de circunstâncias. Eu poderia dizer que é lamentável, mas na verdade não é. É apenas a realidade como ela é, e ela não é bonita.
A verdade é que somos todos um bando de egoístas correndo desajeitadamente atrás de algo chamado felicidade, sem saber em que direção correr e sem saber o que fazer quando chegar lá. E eu poderia dizer que isso sim é lamentável, mas seria o mesmo que dizer que os humanos são lamentáveis, porque não podemos nos impedir que fazer isso uma e outra e outra vez. Ninguém nos explicou nada sobre esse jogo, não sabemos qual é o verdadeiro objetivo, então tudo o que podemos fazer é especular. E tentar. Tentar muito.
E quanto a mim... Eu não faço a mínima ideia do que estou fazendo. Como a maioria.
Sinceramente não me sinto tentar, diria que estou mais para seguir o curso e ver aonde ele vai me levar. E é claro que tenho que fazer escolhas todos os dias, então é impossível dizer que estou deixando nas mãos do destino, mas na maior parte das vezes estou escolhendo aquilo que não exigi muito de mim. Aquilo que não pode me machucar.
E inevitavelmente estarei vivendo a vida mais sem graça que poderia desejar.
Mas o seguro é exatamente isso. O seguro não é emocionante, nem belo ou desejável, porque esses adjetivos não combinam com o que é certo. A beleza não está no meu quarto silencioso com todas as minhas preciosidades que me mantem sã e acima de tudo me mantem distraída. Distraída de desejar algo mais, distraída de me perguntar o que raios eu estou fazendo aqui. Distraída de querer experimentar o que o imprevisível tem a oferecer.
Não. A beleza está lá fora, está no selvagem desconhecido, está nas sensações indomáveis e nas almas dos artistas.
Às vezes eu me pergunto se eu carrego esse buraco no peito justamente porque vejo o mundo com os olhos de um escritor, sempre esperando mais do que a vida pode oferecer, e tento suprimir toda essa vontade dentro de mim antes que ela me devore. Mas então eu penso o quão arrogante é esse pensamento, como se eu realmente fosse capaz de ser sensível ao mundo ao meu redor. Eu me formei em pedra há muito tempo atrás.
E é então que me pergunto se na verdade todos nós carregamos esse buraco no peito, não importando quem somos ou o que queremos e que apenas tentamos nos distrair com milhares de outras coisas o tempo todo para esquecer que estamos sempre insatisfeitos.
Sempre está faltando alguma coisa. Sempre parece haver algo mais nos esperando lá fora.
Houve uma época em que eu acreditava que éramos antigos deuses caídos, com todas as nossas memórias perdidas e quebradas espalhadas no silêncio. E que éramos sempre insatisfeitos porque sabíamos, bem lá no fundo sentíamos que éramos maiores do que isso. Que havia algo errado e quebrado dentro de nós. Algo que ninguém sabia consertar, mas que ainda sim tínhamos que tentar, porque esse era o único jeito. E nessa época eu acreditava que a felicidade que tanto procurávamos era na verdade essa centelha de infinito, o poder que nos foi roubado em outra era.
Mas isso não passa de um sonho de uma criança que um dia eu fui.
Ainda mantenho comigo seu fantasma, mas agora tento não levar muito a sério o que ela diz, porque sonhos de crianças são coisas perigosas, coisas que se deve ter cuidado ao escutar, coisas que se deve ter cuidado ao mexer.
Agora no meu quarto escuro, sobre esse colchão desconfortável, eu me pergunto o quanto aquela criança me dominou e o quanto eu a dominei. Acho que estamos batalhando até hoje, talvez seja por isso que eu insisto em escrever. Deve ser porque ela está desesperada para sair de seu confinamento, desesperada para fazer o mundo do seu jeito, mesmo que ela não tenha poder algum.
As vozes lá fora já pararam, acho que finalmente se renderam ao cansaço por hoje.
Amanhã temos um longo dia pela frente, teremos que levantar e fingir que estamos bem. Teremos que ser adultos responsáveis. E adultos não deixam suas lágrimas caírem em público. Adultos não deixam seus pensamentos escaparem. Adultos não tem tempo para lidar com histórias antigas ou novas. Estamos todos muito ocupados em não deixar esse frágil controle se partir.

Então por hoje vou parar por aqui e tentar enterrar tudo isso dentro de mim antes que o sol nasça e alguém consiga ver por entre as minhas rachaduras.



*nota: essa música é simplesmente viciante.


2 comentários:

  1. Olá,
    às vezes também acho que estou lutando com a criança que eu era, me pego pensando se aquela menina aprovaria algumas das minhas atitudes e isso sempre serve de referencial pra mim. Bem bacana o texto.
    Beijos.
    Memórias de Leitura - memorias-de-leitura.blogspot.com

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  2. Oi Ana, :)

    Posso dizer uma coisa meio ridícula? Me senti muito orgulhosa lendo seu texto, como uma irmã mais velha, sabe? KKK' Faz sentido?

    Fiquei orgulhosa porque acompanhei se "crescimento" na escrita; vi seus primeiros textos e posso dizer com toda a sinceridade o modo como sua escrita mudou, talvez reflexo do seu próprio amadurecimento. Orgulhosa de conhecer você.
    Como no seu comentário: também sinto uma falta imensa daquele tempo em que ter um blog era criar uma corrente de pessoas incríveis que se gostavam de verdade lembra? Nada de troca de comentários, mas real vontade de apoiar quem estava escrevendo. Sinto muita falta.
    Mas, te ver aqui de volta, mesmo que esporadicamente, me faz sentir de volta esse tempo.

    Sobre seu texto, profundo, reflexivo... triste. As vezes é triste ser adulto não é? As vezes me pego pensando nisso.
    Suas palavras se tornaram tão firmes, sabe? Nem sei explicar. Mas dá pra senti-las, e elas vão nos levando e levando até que chega ao fim e a gente tem saudade da poesia que acabou de ler e da vontade de reler e marcar todas as partes favoritas! haha'

    Parabéns *-*

    Beijos, fica com Deus! ;*
    Letras Eternas

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